Sistema Endocanabinoide e Cannabis na Saúde Feminina
O sistema endocanabinoide (SEC) é uma complexa rede de receptores, enzimas e canabinoides endógenos que desempenha um papel crucial em diversos processos fisiológicos, incluindo aqueles relacionados à saúde reprodutiva feminina. Fitocanabinoides, os canabinoides derivados da planta Cannabis sativa, interagem com esse sistema e podem oferecer potencial terapêutico para várias condições ginecológicas. Este ensaio explorará o papel do SEC e dos fitocanabinoides na saúde reprodutiva feminina, com foco em suas potenciais aplicações no manejo de questões ginecológicas comuns, com base em pesquisas recentes e contexto histórico.
O Sistema Endocanabinoide e a Reprodução Feminina
O SEC é composto por dois receptores canabinoides principais: CB1 e CB2. Esses receptores estão presentes em todo o sistema reprodutivo feminino, incluindo ovários, útero, trompas de Falópio e colo do útero (El-Talatini et al., 2009). Os canabinoides endógenos, anandamida (AEA) e 2-araquidonoilglicerol (2-AG), interagem com esses receptores para modular várias funções reprodutivas.
Os níveis de AEA flutuam ao longo do ciclo menstrual, com um pico ocorrendo próximo à ovulação. Isso sugere que o SEC pode desempenhar um papel na ovulação e implantação (Walker et al., 2019). Além disso, o SEC está envolvido na contratilidade uterina e na receptividade endometrial, ambas essenciais para uma gravidez bem-sucedida (Di Blasio et al., 2013). Walker et al. (2019) elaboram ainda sobre a complexa interação entre o SEC e o eixo hipotálamo-hipófise-ovário, destacando a intrincada comunicação entre o SEC e a produção e secreção de hormônios esteroides.
Fitocanabinoides e Condições Ginecológicas
Fitocanabinoides, como o tetrahidrocanabinol (THC), o canabidiol (CBD) e o canabigerol (CBG), interagem com o SEC e podem oferecer benefícios terapêuticos para diversas condições ginecológicas.
- Endometriose
A endometriose é uma condição inflamatória crônica caracterizada pelo crescimento de tecido endometrial fora do útero. Isso pode levar a dor pélvica, dismenorreia e infertilidade. Estudos pré-clínicos sugerem que os canabinoides podem reduzir a inflamação e a dor associadas à endometriose, modulando o SEC. Mistry et al. (2021) destacam o potencial do CBD, devido às suas propriedades anti-inflamatórias e analgésicas, como uma opção terapêutica para o tratamento da endometriose e da dor pélvica crônica relacionada.
- Cólicas Menstruais e Dor Pélvica
A dismenorreia, ou menstruação dolorosa, é uma queixa ginecológica comum. As propriedades analgésicas e anti-inflamatórias dos canabinoides podem oferecer alívio das cólicas menstruais e outros tipos de dor pélvica. A cannabis tem sido usada historicamente para esse fim, como documentado por Russo (2014), e pesquisas recentes apoiam sua potencial eficácia.
- Síndrome Pré-Menstrual (TPM) e Menopausa
A TPM engloba uma variedade de sintomas físicos e emocionais que ocorrem na fase lútea do ciclo menstrual. Embora a pesquisa seja limitada, algumas mulheres relatam usar cannabis para aliviar os sintomas da TPM (Russo, 2014). A menopausa também causa mudanças hormonais que podem levar a vários sintomas. Em uma pesquisa de 2022 por Dahlgren et al., um número significativo de indivíduos peri e pós-menopausa relataram usar cannabis medicinal para sintomas relacionados à menopausa, particularmente distúrbios do sono e humor/ansiedade.Um estudo pré-clínico de 2022 explorou o potencial do CBD para reverter déficits de memória associados à depleção de estrogênio, uma característica comum da menopausa, encontrando que o CBD pode restaurar a função da memória e ativar vias de sobrevivência neuronal em modelos animais de depleção de estrogênio.
Referências
- Corrê MDS, de Freitas BS, Machado GDB, Pires VN, Bromberg E, Hallak JEC, Zuardi AW, Crippa JAS, Schröder N. (2022) Cannabidiol reverses memory impairments and activates components of the Akt/GSK3β pathway in an experimental model of estrogen depletion. Behav Brain Res. 24;417:113555
- Dahlgren, M. K., et al. (2022). A survey of medical cannabis use during perimenopause and postmenopause. Menopause, 29(6), 686–693.
- Di Blasio, A. M., Vignali, M., & Gentilini, D. (2013). The endocannabinoid pathway and the female reproductive organs. Journal of Molecular Endocrinology, 50(1), R1–R9.
- El-Talatini, M. R., Taylor, A. H., Elson, J. C., Brown, J., Davidson, A. C., & Konje, J. C. (2009). Localisation and function of the endocannabinoid system in the human ovary. PLOS ONE, 4(2), e4579.
- Mistry, R., et al. (2021). Cannabidiol for the Management of Endometriosis and Chronic Pelvic Pain. Journal of Obstetrics and Gynaecology Canada, 43(6), 679-686.
- Russo, E. (2014). Cannabis treatments in obstetrics and gynecology: A historical review. Journal of Cannabis Therapeutics, 2(3-4), 5-35.
- Walker, O.S., Holloway, A.C., & Raha, S. (2019). The role of the endocannabinoid system in female reproductive tissues. CoLab, 10.1186/s13048-018-0478-9
Escrito por: Leticia Dadalt, PhD: Bióloga, apaixonada pela ciência da vida, traz uma bagagem acadêmica robusta para a arena da educação canábica. Sua jornada é dedicada a compartilhar conhecimento, quebrar estigmas e abrir caminhos para que mais pessoas possam explorar os benefícios terapêuticos dessa planta incrível.