O potencial terapêutico dos canabinoides para o tratamento de enxaquecas é um campo empolgante e em rápida evolução. Embora as evidências atuais ainda estejam em estágios iniciais, a modulação do sistema endocanabinoide oferece uma abordagem promissora para o manejo da dor e dos sintomas associados à enxaqueca. Alguns estudos descobriram que pacientes que utilizam cannabis experimentam episódios de enxaqueca menos frequentes e menos intensos. Pesquisas contínuas e ensaios clínicos bem desenhados são essenciais para elucidar completamente os benefícios e as limitações das terapias baseadas em cannabis, abrindo caminho para opções de tratamento mais eficazes e personalizadas para os pacientes que sofrem de enxaqueca.

As enxaquecas, uma condição neurológica debilitante caracterizada por dores de cabeça intensas e pulsantes, muitas vezes acompanhadas de náuseas, vômitos e sensibilidade à luz e ao som, afetam milhões de indivíduos em todo o mundo. A busca por tratamentos eficazes levou os pesquisadores a explorar diversas vias, incluindo o potencial terapêutico dos canabinoides. Apesar de ainda inicial, um crescente corpo de pesquisas destaca os potenciais benefícios dos terapêuticos baseados em cannabis para o alívio das enxaquecas.

O Sistema Endocanabinoide e a Fisiopatologia da Enxaqueca

O sistema endocanabinoide (SEC) desempenha um papel crucial na manutenção da homeostase no corpo. Ele é composto por canabinoides endógenos (endocanabinoides), receptores (CB1 e CB2) e enzimas como a lipase de monoacilglicerol (MAGL) e a hidrolase de amida de ácido graxo (FAAH) que degradam os endocanabinoides. Recentes insights sugerem que a modulação do SEC pode oferecer uma nova abordagem para o manejo da dor, particularmente no contexto das enxaquecas.

Os endocanabinoides, como a anandamida (AEA) e o 2-araquidonoilglicerol (2-AG), se ligam aos receptores CB1 e CB2 para produzir efeitos analgésicos. Ao inibir as enzimas MAGL e FAAH, que degradam esses endocanabinoides, é possível aumentar seus níveis no corpo, aprimorando assim suas propriedades naturais de alívio da dor. Esta abordagem visa a raiz da dor regulando a liberação de neurotransmissores e reduzindo a inflamação, ambos implicados na fisiopatologia das enxaquecas.

A ativação do sistema trigeminovascular e a liberação vasoativa das terminações trigeminais próximas aos vasos meníngeos são considerados dois dos principais mecanismos dos ataques de enxaqueca. Recentemente, a atenção foi dada ao SEC como um modulador potencial desses processos. Dados experimentais e clínicos sugerem uma ligação entre a desregulação deste complexo de sinalização e as dores de cabeça por enxaqueca. Observações clínicas indicam que os níveis de AEA estão reduzidos no líquido cefalorraquidiano e no plasma de pacientes com enxaqueca crônica, e essa redução está associada à facilitação da dor na medula espinhal. A AEA é produzida sob demanda durante condições inflamatórias e exerce a maioria de seus efeitos atuando nos receptores canabinoides. A AEA é rapidamente degradada pela enzima FAAH, e seus níveis podem ser modulados no sistema nervoso periférico e central por inibidores de FAAH.

Evidências Clínicas e Meta-análises

Embora grande parte das evidências atuais seja anedótica, mais de uma dúzia de ensaios examinaram diretamente o impacto da modulação do SEC para induzir analgesia em pacientes com enxaqueca. Esses estudos têm resultados promissores, indicando que os canabinoides podem reduzir significativamente a frequência, duração e intensidade das enxaquecas.

Uma das meta-análises mais extensas, englobando dados de 12.293 sessões de tratamento com cannabis, revelou que a cannabis inalada reduziu a intensidade das dores de cabeça e enxaquecas auto-relatadas em aproximadamente metade. Além disso, os pacientes relataram melhorias na frequência e duração das enxaquecas, bem como uma redução nos sintomas associados, como náuseas e vômitos. Esses achados ressaltam o potencial dos terapêuticos baseados em cannabis para proporcionar alívio significativo aos portadores de enxaqueca, particularmente àqueles que não respondem bem aos tratamentos convencionais.

Uma revisão sistemática que avaliou a eficácia e segurança da cannabis medicinal no tratamento de enxaquecas em adultos incluiu 12 publicações envolvendo 1.980 participantes da Itália e dos Estados Unidos. Os resultados indicaram que a cannabis reduziu significativamente as náuseas e os vômitos associados aos ataques de enxaqueca após seis meses de uso. Além disso, a cannabis reduziu o número de dias de enxaqueca após 30 dias e a frequência das dores de cabeça por enxaqueca por mês. A cannabis foi 51% mais eficaz na redução das enxaquecas do que os produtos não derivados da cannabis. Comparada à amitriptilina, a cannabis abortou dores de cabeça por enxaqueca em alguns usuários (11,6%) e reduziu a frequência das enxaquecas. Os eventos adversos foram principalmente leves, ocorrendo em 43,75% dos pacientes que usaram preparações orais de canabinoides.

Outro estudo revisou a resposta clínica, a dosagem e os efeitos colaterais da cannabis no manejo da enxaqueca, seguindo as diretrizes PRISMA. Esta revisão incluiu nove estudos e demonstrou que a cannabis medicinal reduziu significativamente a duração e a frequência das enxaquecas. Nenhum efeito adverso grave foi observado, destacando seu potencial como uma opção de tratamento segura e eficaz.

Mecanismos de Ação

Os mecanismos pelos quais os canabinoides exercem seus efeitos terapêuticos em pacientes com enxaqueca são multifacetados. A ativação dos receptores CB1 no sistema nervoso central pode inibir a liberação de neurotransmissores pró-inflamatórios e reduzir a excitabilidade neuronal, ambos críticos no desenvolvimento e manutenção das dores de cabeça por enxaqueca. Os receptores CB2, predominantemente encontrados em tecidos periféricos e células imunes, modulam as respostas imunológicas e reduzem a inflamação, o que pode contribuir ainda mais para o alívio da dor.

Além disso, foi demonstrado que os canabinoides interagem com receptores de serotonina, que também estão envolvidos na fisiopatologia das enxaquecas. Essa interação pode ajudar a regular o componente vascular das enxaquecas, uma vez que a serotonina desempenha um papel crucial na constrição e dilatação dos vasos sanguíneos.

Direções Futuras e Considerações

Apesar dos achados promissores, vários desafios permanecem na aplicação clínica dos canabinoides para o tratamento de enxaquecas. A variabilidade nas formulações de canabinoides, dosagens e métodos de administração pode afetar os resultados do tratamento, tornando difícil a padronização dos protocolos. Para abordar esses desafios, pesquisas futuras devem se concentrar em ensaios clínicos randomizados em larga escala para estabelecer a eficácia e segurança de formulações específicas de canabinoides para o tratamento da enxaqueca. Além disso, a exploração de diferentes canabinoides pode oferecer uma alternativa segura com poucos efeitos colaterais.

O potencial terapêutico dos canabinoides para o tratamento de enxaquecas é um campo empolgante e em rápida evolução. Enquanto as evidências atuais ainda estão em estágios iniciais, a modulação do sistema endocanabinoide oferece uma abordagem promissora para o manejo da dor e dos sintomas associados à enxaqueca. Pesquisas contínuas e ensaios clínicos bem desenhados são essenciais para elucidar completamente os benefícios e as limitações das terapias baseadas em cannabis, abrindo caminho para opções de tratamento mais eficazes e personalizadas para os pacientes que sofrem de enxaqueca.

Referência

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Escrito por: Leticia Dadalt, PhD: Bióloga, apaixonada pela ciência da vida, traz uma bagagem acadêmica robusta para a arena da educação canábica. Sua jornada é dedicada a compartilhar conhecimento, quebrar estigmas e abrir caminhos para que mais pessoas possam explorar os benefícios terapêuticos dessa planta incrível.

Com sede no Vale do Silício, somos líderes em biotecnologia para suplementação nutricional, com certificado de boas práticas em manipulação pela regulamentação dos Estados Unidos. 

Sistema Endocanabinoide e Cannabis na Saúde Feminina

O SEC desempenha um papel vital na saúde reprodutiva feminina, e os fitocanabinoides se mostram promissores como agentes terapêuticos para diversas condições ginecológicas. O uso histórico da cannabis na saúde da mulher ressalta seu potencial valor terapêutico. Embora mais pesquisas sejam necessárias para elucidar completamente os mecanismos de ação, dosagens ideais e segurança a longo prazo, as evidências existentes sugerem que a cannabis pode oferecer uma alternativa segura e eficaz aos tratamentos tradicionais para uma variedade de problemas de saúde da mulher. 

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